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Era uma vez um sultão e uma menina que ele queria como sua ionésima esposa. E ela não tinha voto na matéria no que diz respeito ao desejo dele. Mas tinha todos os votos de que necessitava para contornar a indiferença e o esquecimento: o seu palavrar, a sua imaginação, o acender o desejo dele não por ela própria (isso seria demasiado fácil mas excessivamente transitório) mas por aquilo que ela fazia, aquilo que ela sabia, aquilo que ela imaginava, aquilo que ela lhe trazia como "valor acrescentado": as palavras, organizadas em frases, organizadas em histórias, organizadas ao longo de noites intermináveis, de que ele dependia cada vez mais. Que ele queria ouvir cada dia que passava. De que ele precisava como de pão para a boca. Que o levaram a não prescindir já dela, mesmo quando o desejo (por qualquer outra que não ela) tivesse já morrido.
Isto traz-me à memória uma outra história, a do Carteiro de Pablo Neruda. Lembram-se daquela página magnífica em que se acusa o pobre coitado de ter seduzido a moça com metáforas, senhores, com metáforas!...
As palavras são sensacionais. Assim também sejam sensacionais as ideias que elas transmitem.